quarta-feira, 6 de junho de 2012

"Lisbon Calling"

Com este post termina este blog. Foi feito para acompanhar este mês de estadia em Israel/Palestina, durante o qual lecionei um curso e fiz repérage para eventual pesquisa antropológica por estas bandas. Como não podia deixar de ser, este território e estas pessoas vivem uma situação peculiar, dos traumas da memória às utopias, do sofrimento à banalidade da vida normal, das injustiças relativas ao sonho. Um terreno complexo, complicado, desafiador intelectual, sensorial, ética e politicamente. Numa palavra: fascinante. Now we'll see what the future will bring. My little sefl included.

Este foi o primeiro videozinho que carreguei neste blog. É um túnel fresco, com o som da água, nos jardim botânico da universidade, obra de arquitetura paisagística


E este é o último videozinho, de um túnel nas catacumbas dos Cruzados em Akko (Acre). 
Connect the dots.


Ah, e ainda este, de um pedaço da obra de Rui Toscano, na exposição "Beyond Memory" no Museum on the Seam, de que falo dois posts abaixo. Chama-se "Lisbon Calling"...



on kitsch

Primeiro exemplo de kitsch, ou melhor: nacional-kitsch. "Mini-Israel", uma espécie de Portugal dos Pequenitos ainda em mais miniatura:


Segundo exemplo de kitsch, ou melhor: kitsch sagrado. Os jardins Baha'i em Haifa:

on the seam

O Museum on the Seam apresenta-se como um "socio-political contemporary art museum". Está localized, propositadamente, sobre a Linha Verde. Neste momento tem uma exposição chamada Beyond Memory. NB: o site da exposição não disponibiliza um catálogo; no entanto, o museu permite que se fotografe. Resultado: não consigo colocar o copyright das obras - nem tão-pouco lembrar-me dos nomes dos autores. As minhas desculpas.


No topo do edifício, "Memory", com imitação do muro de separação.

No topo do edifício
O M de "Memory", com o Hotel Legacy ao fundo...
Na Linha Verde passa agora o metro de superfície...





O exterior do museu



segunda-feira, 4 de junho de 2012

Akko





Sobre o chamado "pinkwashing"

Interessante, o debate sobre o chamado "pinkwashing". Uma coisa eu sei: que os direitos LGBT que se conquistaram em Israel devem-se à luta dos movimentos e ativistas e à ação de alguns tribunais, não à iniciativa do governo. Também sei - ou melhor, acho - que os direitos LGBT, ou outros, não devem ser usados para propaganda diplomática ou nacionalista ou outra oficial num país, e mais ainda se ele vive um conflito que tem uma pesada dimensão ética e repercussão política internacional. Também sei que se vive melhor como gay ou lésbica aqui do que em muitos sítios - mas com uma situação muito pior nos Territórios palestinianos e se, no caso dos judeus, se estiver numa meio ultra-religioso. E também sei outra coisa: que nunca se deve fazer uma grande misturada, seja do lado da propaganda governamental, mas com isso posso eu bem, que não são os meus, seja do lado de quem procura rapidamente desmascará-la. Isto é, a postura mais correta de direitos humanos, a meu ver, é lutar igualmente pela solução do conflito israelo-palestiniano e pelos direitos LGBT em todos os territórios de Israel/Palestina.

Uma série de artigos, todos no jornal liberal israelense Ha'aretz, sobre o assunto:

O artigo de Aeyal Gross.

O artigo de Natasha Mozgovaya.

A opinião do Yeoshua Gurtier: The pink elephant and the Israeli-Palestinian conflict.

Um artigo sobre um boicote a jovens LGBT israelenses.

(e não, não tenho paciência para comentar os boicotes, em Portugal e noutros países, de alguns segmentos LGBT a eventos - LGBT - com participação israelense).

domingo, 3 de junho de 2012

In-bar, Nazaré, Haifa

Nazaré: muito árabe e/mas muito cristã, estava toda fechada ao domingo. Mesmo. Estivera mais frio e poderia ser Natal...

Nazaré

Cristã, mas não sem que, mesmo ao lado de uma catedral,
uma pequena mesquita apelasse à conversão de cristãos e judeus.

Dormitórios da Universidade de Haifa. Bem no alto do monte Karmel.

Tão no alto que do meu quarto se vê Akko (Acre) ao fundo, e bem mais até ao Líbano.

E como se não bastasse a altitude, o arquiteto deve ter achado irónico colocar como edifício principal uma torre de 30 andares, de onde o Mediterrâneo nos ofusca...

... e a sombra é projetada.

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Notas (muito) breves de um dia na Palestina

Passagem por um checkpoint. Como é sexta-feira quase não há ninguém e talvez por isso mesmo se veja, no desgaste das estruturas e na paisagem do espaço público, o caráter de exceção à normalidade que assumem estas terras de ninguém - mas onde alguém controla alguém. 



      O espaço urbano de Ramallah chama logo a atenção pela mistura entre os efeitos de menos recursos, por um lado, e o crescimento rápido e a construção, como efeito da sua capitalidade na Autoridade Palestiniana. 

    Conduzido por um palestiniano, funcionário de uma representação diplomática. Homem inteligente, sensato e sensível. Como muitos palestinianos, viveu nos EUA e regressou na altura dos acordos de Oslo, com muitas esperanças, que o período da segunda intifada deitaram por terra. Da sua casa vê-se Tel-Aviv e o mar...


    De vez em quando - demasiadas vezes - na paisagem, surgem colonatos. É talvez a forma mais absurda que o conflito assume e o principal obstáculo à sua resolução. Os colonatos constituem formas de assentamento política e ideologicamente motivado, apropriando-se de terra e água, dividindo, com as estradas de acesso exclusivo, a terra dos locais, criando obstáculos. Junte-se-lhe o  muro de segurança e o seu percurso sinuoso, os checkpoints e a necessidade de os palestinianos solicitarem autorizações para entrarem em Israel, e temos a receita para o desastre.

    História moral contada: Neste caso os colonos (casas à direita) propuseram comprar a casa palestiniana à esquerda. Foi heroicamente recusada uma oferta milionária. Casos há, pelo contrário, de pessoas que venderam terras e emigraram, para fugirem à censura social...

      (A área do previsto futuro estado palestiniano está dividida em três tipos de zona. As zonas A, da Autoridade Palestiniana; as zonas B, com controlo civil desta e controlo militar de Israel; e as áreas C, de total controlo israelense. O resultado é um mapa retalhado, sinuoso, descontínuo, de sucessivos ilhamentos.)
      (Um campo de refugiados (Al Jalazoun) que, na realidade, já se transformou numa aldeia de apertadas estruturas de autoconstrução. Estabelecido sobre terras de uma aldeia local (Ein Synia), os anos e processos sociais e económicos vários, fizeram com que os seus habitantes acabassem por prosperar mais do que os aldeãos, para cujas terras se expandem. As coisas são, sempre, mais complexas do que parecem)

    Aldeia de Jiffna: curioso "pelourinho" - fontanário segurando poste elétrico. Loja aberta à sexta, vendendo também álcool: aldeia com população cristã, duas igrejas, uma católica, outra grega ortodoxa.



    A universidade de Bir Zeit.



    A povoação de Bir Zeit, com o centro Rozana cuidando da herança cultural local





    (Seguindo por uma estrada sinuosa, num vale. A estrada ligava dois colonatos e foi recentemente aberta a trânsito palestiniano. O ritmo de construção na Palestina é agora tal que os lixos da construção civil são lançados nas margens das estradas.)

    Taybeh, local da cerveja palestiniana. Única aldeia inteiramente cristã. Maria, esposa do dono e presidente da câmara local, é grega e oriunda dos EUA, onde o casal viveu (em Boston), tendo o casal regressado à Palestina com os acordos de Oslo.Passaram primeiro por Tunis para se aconselharem junto de Arafat sobre a oportunidade de lançar um negócio de álcool numa terra 98% muçulmana.

    O vídeo explicativo do processo de fabrico da cerveja. Ao lado, o proprietário e Srafat.



    A importância da diáspora e do apoio internacional também se faz sentir na Palestina
    Taybeh transformando-se, pela iniciativa de entusiastas, letrados e empresários locais, num local de possível futuro turismo.




    A incrível familiaridade e semelhança da paisagem...







    Arte palestiniana contemporânea em casa de uma pessoa hospitaleira


    (A sensação clara das continuidades, semelhanças e integração das pessoas e comunidades desta região - quer de Israel/Palestina, quer do levante em sentido mais lato; a sensação de "jusxtaposição" - da reivindicação da mesma terra por dois povos e entidades; e ainda a sensação da iniquidade do sistema de ocupação e suas manifestações quer mais rituais e performativas, quer mais reais nas suas consequ~encias nefastas na economia, na liberdade, na dignidade - colonatos, muro, checkpoints. E uma enorme familiaridade e "estar-bem" - para não confundir com bem-estar, claro - ali, como em Israel)

    (E a sensação de que não se percebe mesmo onde tudo isto vai dar...)

    Repito: notas muito, muito breves e sem a riqueza das muitas conversas, pormenores, informações, estados de espírito, insinuações, que por um lado não quero transmitir aqui, quebrando a privacidade dos mesmos ou o anonimato e resguardo de pessoas e, por outro, pela pura e simples falta de tempo nestes últimos dias da estadia, cheios de atividade. Mais em Lisboa, portanto...

    segunda-feira, 28 de maio de 2012

    Arrumando ideias (sempre)

    (a propósito dos muitos e variados posicionamentos que vou testemunhando, não na pobre discussão mediática internacional sobre o "médio oriente", mas junto de gente concreta e aqui)

    Não gosto, por princípio, de discursos e retóricas nacionalistas. Mas compreendo-os - e às emoções que os corporizam - como estratégias de alteridade ou de fuga à subalternidade em certos contextos e conjunturas (um nacionalismo fascista não será o mesmo que um nacionalismo de movimento de libertação. Acho). Se fizesse disto uma questão de princípio, absoluto, a única coisa coerente a dizer seria que recuso a retórica nacionalista isaraelense e igualmente a palestiniana (ou: aceito ambas). Isto levaria a uma neutralidade demissionária, que é o que acontece quando se quer ser formalmente coerente. Como antropólogo, tento perceber, nos seus próprios termos, o afeto e a energia e o sentido que as pessoas, em grupo, investem nestas identificações (e sabendo que o fazem sempre em posições de poder(es) relativo(s)). Neste plano, ambos os nacionalismo são válidos. Como "resolver" isto? Recusando uma aproximação baseada apenas na lógica e na coerência, e pensando ética e politicamente - reformulando a questão do nacionalismo noutra, por exemplo justiça ou direitos humanos. Assim, a situação em que vive a maioria dos palestinianos deve ser vista como iníqua e insustentável. É ela o elo mais fraco, que precisa com mais urgência de ser resolvido. A sua solução passa, para a maioria das pessoas, pela satisfação da sua aspiração identitária nacional - o fim das políticas de ocupação, discriminação e securitárias não seria suficiente e não se daria sem a resolução da questão nacional. Mas "apenas" com uma condição, sem a qual todo o edifício ético da coisa se desmoronaria: que a sustentabilidade da identidade nacional israelense seja assegurada. Os que gostariam de fazer tudo de novo, que sonham com tábuas rasas, que gostariam que isto ou aquilo não tivesse acontecido no passado, não só demonstram irracionalidade, como desprezo pelas "condições realmente existentes" - pessoas concretas vivendo vidas (e com entes queridos mortos, dos dois lados), e não abstrações. O objetivo da satisfação das aspirações nacionais palestinianas e a garantia do adquirido nacional israelense é condição fundamental para se poder pensar, então, para lá do nacionalismo: como já se faz em Israel (onde se encontra desde sionistas de direita até judeus israelenses antisionistas) e como se faz na Palestina (basta pensar no fosso ideológico e de programa político entre o Hamas em Gaza e a Autoridade Palestiniana em Ramallah).

    (Pensar numa situação concreta como esta é também um exercício que desafia a inteligência: não se pode ver isto com lentes criada para ler outros textos, nem com analogias que transportam para aqui significados de outros tempos e sítios. Mas isso é outra conversa, para outra altura, sobre o uso abusivo - não só intelectualmente, mas com consequências práticas nos afetos investidos - da analogia do apartheid ou do colonialismo, ou de ideias feitas de fundo islamofóbico, orientalista, ou antisemita).

    domingo, 27 de maio de 2012

    Serendipity. Small world.



    Acordei com planos de ir a Jerusalém Leste. A ideia? Começar a procurar lugares, ainda do lado de cá do West Bank / dos Territórios, onde poder contactar mais de perto com a comunidade árabe. Estava mesmo para sair quando a C me liga convidando para um café. Mora no mesmo bairro, caminhada rápida. Em sua casa, além dos filhos, está uma amiga, a Muna, que estuda na nossa universidade. Divertimo-nos a aprender mutuamente árabe e espanhol (e um pouco de português, e de francês...) e conversámos muito sobre o ativismo de ambas, que é de fundo não-sionista e não-divisório, algo raro por aqui. M, apesar de ser cidadã de Israel, nem quer pensar na eventual necessidade de ter de escolher entre estados - "não poderia deixar de ver os meus amigos judeus". Nenhum estado, seria o melhor, pensam ambas - mas essa é assumidamente uma posição utópica, de quem pensa radicalmente. Mas um estado binacional seria, para as minhas novas amigas, a melhor solução. Mas conversar sobre o Conflito é uma coisa. Outra, bem mais importante, é a sensação boa de encontrar gente. E esta entrada inesperada num universo que também inclui os árabes. Serendipity, pois.


    Vamos para a parte árabe e predominantemente muçulmana da Cidade Velha, parte da definição "clássica" de Jerusalém Leste. Numa confeitaria comemos uma sobremesa "assassina" à base de queijo de cabra e muuuuito açúcar. Café turco. Ou árabe, como por aqui se diz.


    The women and their true colors :-)


    Orientalismos à parte - ou não - a Cidade Velha é de facto um labirinto de cores e cheiros. Não me ocorrem mais estereótipos, mas apetece enunciá-los todos. Uma coisa é certa: apetece entrar e não sair para as ruas e céus abertos.


    Numa esquina, um vislumbre do dia e outra arquitetura. Indo por ali a Cidade Velha desdobra-se em bairro judeu e em bairro cristão - este um amontoado de igrejas, confissões que vão da igreja grega à arménia, passando por mosteiros etíopes, e mil e uma seitas e denominações. É como se, vista de cima, a cidade velha fosse a única povoação habitável de um planeta árido, onde toda a gente, de todas as etnias e credos se juntasse amontoadamente, com fronteiras subtis e regras de convívio implícitas.


    Terminamos o dia em casa de amigas e amigos - uma "comuna feminista", como me é explicado (sem imagens). Pessoas que vão organizar em breve uma conferência e festa queer. Uma delas é norueguesa e antropóloga. Conhecemos pessoas comuns - professores dela, colegas meus. Outra menciona um poema-vídeo de alguém e descobrimos que se trata do mesmo que já linkei, a propósito do Dia de Jerusalém, e que ela e o autor se conhecem. Serendipity. Small world. Gostei muito da atmosfera que reúne pessoas de origens diversas, judeus e árabes, em torno de visões do mundo que, goste-se mais ou menos delas, partem de um "sair da caixa" e das armadilhas do pensamento fundamental(ista). A cidade velha é a metáfora de tudo isto: todos os símbolos de todos os problemas juntos - e todas as soluções também.



    The stalker gets stalked :-)








    sábado, 26 de maio de 2012

    Just another day

    E de repente há um dia em que vais na rua, na tua cidade nova, e vais a olhar para o chão, a pensar "nas tuas coisas" e não a olhar para todo o lado. É então que começaste uma relação de intimidade com o sítio, por estranho que pareça. Como nas (outras) relações: o momento da "acomodação" não tem de ser, como muitos pensam (ou pensa o viajante que "ao olhar para o chão" acha que chegou o momento de partir para outra), o fim, mas sim o princípio. Claro que é aí que começa o trabalho, já sem interruptor automático. Começa o laço. Mas não é o trabalho a condição humana?

    Jerusalém no shabat. O mais parecido em Portugal até nem é o domingo. Talvez seja, por cómico que pareça, o dia de reflexão antes das eleições:

    E não é fotomontagem...
    Wisdom

    Mob store? (ampliar)

    Dia em Tel-Aviv, para brunch com amigos em Yaffo:

    Na estação de autocarros, loja chinese especializada em vender porco. Com anúncio também em russo.

    Brunch with a bunch

    Pequeno-almoço típico dos judeus do Iraque. Yummy, sobretudo o picante laranja.

    laranjeira suspensa em Yaffo

    Última ceia (ampliar)

    Yaffo gentrificando-se

    Bears


    We liked the music

    Regresso a Jerusalém. Pode ser "doida" - religiosa, "ocupada/libertada/reunificada" (contestada), e Tel-Aviv pode ser, e é, cosmopolita, de praia e esplanadas e bicicletas. Mas, por outro lado, e se calhar por causa de inclinações antropológicas, há qualquer coisa em J'lem que é mais intensa. Ou, então, habituado que estou às alienações do consumo e do prazer atraio-me exoticamente pelas alienações da religião, da etnicidade e da política? Não sei. Mas voltei home.

    Regressando a Jerusalém. Discussão entre motorista e cliente. Duas jovens vão-me explicando.
    Toda a conversa em árabe. No fim, o meu primeiro "shukran" em vez de "todá".